Não consigo tocar em cadáveres. Penso nisto algumas vezes mas não costumo proferir, ou escrever, porque é mórbido e inconveniente e parece despropositado. Mas evito enfrentar a morte, a Morte, a dos outros, mesmo os que não me são muito chegados. Não gosto de pensar no conceito, nem consigo aceitar a concretização.
É isso, é um problema de aceitação. Recuso-me a aceitar que a vida abandona o corpo.
Um dos cachorrinhos da Lirita estava morto hoje, na sua caminha, um pouco afastado dos seus quatro irmãos, muito mais matulões desde o dia da nascença. Sobreviveu nestas condições de inferioridade fisionómica mais de quinze dias e não pensei que não resistisse, assumi que ultrapassara o pior. Aproximei-me deles e fiquei a observar os seus movimentos cegos e ternurentos e reparei nele, imóvel, a um canto. Tive medo de lhe tocar. Sabia o que ia sentir por isso não queria fazê-lo. Encostei-lhe um dedo e senti a rigidez que temia. Afastei-me repugnada, arrepiada com a frieza da morte, com a insensibilidade com que despreza o corpo.
Afastei-me e, insensível como a própria morte, deixei-o lá, abandonado, no meio do calor dos irmãos.
Odeio sentir-me fraca.
3 comentários:
Isso não é fraqueza- é sensibilidade.
Tenho pena do cachorro :-(
Beijinho para ti.
Concordo com o Nuno. Não é uma questão de fraqueza mas sim sensibilidade.
Um corpo sem vida é muito triste...
Tal e qual.
Prefiro não pensar na morte para não ter de encarar. Mas há alturas em que mesmo com a capa mais dura não se consegue fugir.
Não é cobardia, mas sim uma defesa. Gosto de pensar assim.
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