quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

elderly

Vi ontem uma parte da grande reportagem que se seguiu ao Telejornal acerca da negligência e dos abusos cada vez mais comuns sobre os idosos. Lembrei-me do meu avô. Mais do que tomar atenção ao que se dizia, a reportagem fez-me pensar no meu avô (paz à sua alma). Claro que é angustiante ouvir pessoas velhas, doentes e praticamente indefesas, de olhos lacrimejantes, a narrar histórias de maus tratos, coisas quase inenarráveis, por parte dos próprios filhos. Mas eu só me conseguia lembrar das aldrabices do meu avô.
O meu avô sempre viveu connosco e hoje lembro-me de episódios dignos dos trompetes do Kusturica; coisas que na altura não tinham piada nenhuma - como as férias no Algarve com ele e com a gaiola do periquito (não queiram saber).
A verdade é que o meu avô foi sempre a prova viva de que as pessoas mais velhas não são necessariamente umas desgraçadas, mais ainda quando o apregoam aos quatro ventos.
Lembro-me com precisão, como se fosse ainda hoje um gesto do quotidiano, dos pequenos-almoços levados à cama, do tabuleiro do almoço com um copo (só meio!) de vinho branco (que uma vez, por engano, foi de bagaço caseiro e ele só se queixou no fim. Dormiu toda a tarde!) e de muitas outras coisas que, por comodidade, se iam tornando hábito. Lembro-me sobretudo da casa de banho sempre ocupada nas alturas mais inconvenientes e de pensar que eu chegaria atrasada às aulas, enquanto ele poderia tratar da sua higiene à hora que quisesse. Fui tomando consciência de que, talvez para ele, ter todo o tempo do mundo não fosse algo assim tão bom. Mas o meu avô não era de se aborrecer, nem que para isso tivesse de inventar... coisas desagradáveis, quase sempre. Ele era pequenino e, como diz o ditado, ou velhaco ou dançarino (sempre justifiquei a sua malvadez pela exclusão de hipóteses - não creio que dançasse bem!).
Acima de tudo, lembro-me que costumava pensar, é meu avô. E era desta forma que o amava (mesmo que não fosse segredo para nenhum dos netos que a minha irmã era a sua preferida).
Era o meu avô, com o seu kispo. Com o aparelho auditivo sempre a dar problemas e a sofrer influências magnéticas da televisão. Com o queijo e o pão. Com as sopas de cação e cheiro a poejo. Com os patinhos de plasticina, perfeitinhos como origamis. Com o cigarro sempre aceso, a intoxicar-nos, numa época em que não havia sensibilidade que incomodasse umas boas fumaças na sala. Às vezes, via-lhe nos olhos um franco cansaço de viver. Acho que teve a morte perfeita, se isso existe. Era um velhaco. Mas era o meu avô.

1 comentário:

Nani disse...

Posso dizer-te que me lembro muito bem do teu avô e, por incrível que te possa parecer, tenho boas recordações dele e ainda hoje falo nele de vez em quando...Podia ser mau dançarino mas tinha um encanto de velhinho...Não me esqueço que o telefone por vezes tocava com urgência ;)
bjs