terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

de inveja se fala por aí

Sentirmos inveja de alguém, enfraquece a nossa fibra e reduz a nossa virtude enquanto seres humanos, do ponto de vista lógico, intelectual e até religioso. É uma triste constatação social. A nossa atitude em relação a nós próprios é mecanicamente defensiva quando se trata de tentar justificar aquela sensação de azia que experimentamos ao invejar coisas fúteis, ou não tanto. Muitas vezes este inevitável sentimento de que o ser humano padece é reprimido pela moral e pelo rigor que a religião ou outros princípios nos incutem. Ou até mesmo pela argumentação lógica e bem justificada de que não conhecemos tão bem assim os outros para saber se lhes devemos ter inveja. Nós próprios a reprimimos por um embaraço que vem de dentro. Mas a inveja não é uma coisa pensada, que apenas se deve sentir se soubermos que existe do outro lado algo de plenamente perfeito que possamos almejar sem pensar nas diferentes infelicidades e frustrações que se escondem por trás de alguma coisa aparente.
A mim sempre se mostrou óbvio que as pessoas que mais facilmente dizem ter inveja de qualquer coisa, de uma forma directa e apreciativa, são as que menos vivem essa inveja de forma nefasta ou mal intencionada. Nem tão pouco de forma ignorante. De todas as (poucas) vezes que alguém me disse directamente que tinha inveja de alguma coisa em mim, recebi o comentário com alguma lisonja (e pouca crença de que proviesse de um sentimento realmente feio), uma vez que me parece, quase certo, que é uma forma de elogiar mais do que uma demonstração de dor de cotovelo.
Acho preferível ver nesta inveja uma forma de expressar o elogio, a admiração, a apreciação pelo feito conseguido, pelas virtudes inatas de alguém ou pela harmonia do seu aspecto. Considero até que a inveja, por mais natural e frequente que seja entre as pessoas, raramente chega a ser obssessiva ou radical. Normalmente inveja-se qualquer coisa aqui ou ali. Querer ser-se outra pessoa não me parece que seja inveja, será outra coisa mais além e consideravelmente mais grave, certamente mais triste e, possivelmente, patológica.
Eu admito que sou invejosa, naquilo que me é permitido ser, mesmo sem orgulho nenhum nisso. Já me reprimi por invejar e já tentei esconder (até de mim mesma) que o fazia, mas mesmo isso me permitiu aprender alguma coisa. Eu invejo algumas coisas, em muitas pessoas e se juntasse tudo construiria alguém que duvido muito que pudesse existir, por isso sei que a minha inveja é, quando muito, infantil e só me prejudicará na medida em que lhe der importância para tal. Adorava saber ter a postura para me impôr a certas pessoas e situações e invejo as mulheres que sabem, gostam e andam naturalmente com qualquer tipo de saltos; quero ter a voz da Rita Blanco desde que a ouvi dobrar a Dori; tenho uma raiva saudável a todas as mulheres que podem dar-se ao luxo de ir à praia sem se preocupar muito com a depilação (e que mesmo assim se mostram muito aflitas); queria conseguir ter a força de vontade que algumas pessoas têm e não inventar tantas desculpas como faço ou, em alternativa, reconhecer a minha inércia como algo que aceito de bom grado em vez de permanecer, em várias ocasiões, numa área cinzenta; tantas vezes gostava de ser homem e invejo, sem pudores, quem tenha subido a mais alta pirâmide de Chichen Itza porque (já) não pude fazê-lo, ainda que consciente de que não quero necessariamente viver a vida de mais ninguém que não a minha.

citação em '2nd hand'

Aceito a inveja. O que não gosto é da forma como certas pessoas a vivem, diariamente. Não gosto do olhar de inveja de quem prescruta o outro como se lhe quisesse sugar algo. É isso que acho doentio. Não gosto, sobretudo, de quem desafia as leis do universo para se adequar a uma vida que não é a sua, com base na imagem dos que a rodeiam. Isso é triste.

Sem comentários: