segunda-feira, 30 de março de 2009

gaveta da preguiça

Tenho na minha gaveta da preguiça um rol de coisas: fotos que não tirei, pessoas que não vi mais, sítios que não conheci, muito dinheiro que não poupei, pouco que não gastei, coisas que não escrevi que se misturam com as que escrevo, planos que não segui, objectivos que não alcancei. Estou sempre a depositar lá mais e mais coisas: quando me esqueço, quando ignoro, quando negligencio, quando não cumpro, quando não faço, quando não sou. De vez em quando faço uma limpeza. Tiro dois ou três projectos poeirentos e dou-lhes uma razão de ser. Nessas alturas penso que é fácil e agradável. Penso, sobretudo, que faz sentido e que deveria ser sempre assim porque esses projectos poeirentos, encerrados numa gaveta, num gavetão, transformam-se em ornamentos, em molduras na minha vida. E até é simples. Mas depois vem outro surto e a gaveta volta a encher-se, como se as concretizações abrissem espaços para novos armazenamentos. E a gaveta nunca está vazia ou arrumada: misturam-se o doce e o salgado, o quente e o frio, o pensado e o dito. Às vezes a gaveta é enorme, transforma-se num baú. Cabe lá a bicicleta imóvel, a bola de basquete que não vê as tabelas, os aplausos da peça de teatro e a música daqueloutro concerto. Mas quando está mesmo grande, quase inamovível de tão pesada, é quando deixo passar muito tempo e vou lá descobrir-me a mim, enroscada numa dormência conformada.

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