quinta-feira, 18 de novembro de 2010

saudades do Natal

Gosto das luzes e dos presépios em sítios estratégicos, quase que me enternecem os Pais Natal pendurados de qualquer maneira em janelas suburbanas, moda que não havia nos meus tempos de meninice, e fico deslumbrada com o brilho de algumas avenidas mais finas, com as suas montras caras e reluzentes. Não me incomoda por aí além o consumismo porque, com ou sem crise, sempre existiu quem esbanjasse nesta quadra (e durante todo o ano) enquanto outros passam dificuldades, e reconhecer isto não me permite a hipocrisia de julgar que, apenas este ano, se verificam amargas injustiças. Acho que sempre gostei do ar frio e festivo das ruas da cidade em Dezembro. Passeava sempre com a família, um pouco sem destino, em grandes caminhadas pela cidade nesta época do ano, em fins de tarde de Sábado ou Domingo. Descíamos a Avenida da Liberdade e metíamos pelas Portas de Santo Antão, até à ginjinha que o meu pai me dava a provar, para meu gáudio, e sem que isso constituísse alguma forma de mau exercício de parentalidade, e acabávamos quase sempre por ir comer uma omeleta no pão numa das tascas em frente ao Braz & Braz. Gostava de ir às lojas da Baixa, quase todas com vários pisos, e perder-me pela imensidão de coisas que vendiam. Era impossível contá-las. Íamos também até ao Martim Moniz, sem receios nem preconceitos, subíamos ao Intendente e olhávamos as montras com cartolinas verdes, amarelas e laranja, em forma de estrela, que anunciavam os preços fantásticos dos electrodomésticos. Cruzávamo-nos com mendigos que se abrigavam cedo, debaixo de papelões, e com as primeiras mulheres que se assomavam às esquinas, ao início da noite, e que me faziam trocar risinhos e olhares cúmplices com a minha irmã. Claro que, nesta altura no Natal, era obrigatório comprar castanhas na Praça da Figueira e correr a Rua Augusta até ao fim, para chegar a um Terreiro do Paço ainda sem árvore de Natal recorde.
Naquela altura, parece-me, tudo era simples e pouca coisa nos bastava para nos sentirmos felizes. Lembro-me de pensar em um ou dois presentes que sabia que iria ter quase de certeza, e de admitir até que, se não fossem garantidos, pelo menos contaria com as notas que o meu pai espalhava pela árvore no dia de Natal e que me faziam sentir o peso da responsabilidade de garantir que aquele investimento, que eu sabia ser do seu subsídio, teria um destino à altura da sua hombridade. Além disso, a minha mãe tinha sempre as saias de fazenda e as camisolas de lã entrançadas para nós vestirmos nas refeições de festas em casa dos tios. Costumava fazer um balanço dos meus presentes, e às vezes colocava as coisas todas lado a lado, como que a avaliar o que entrara de novo na minha vida. Mesmo nos melhores anos, contavam-se todos pelos dedos das mãos, e não precisavam ser mais, afinal de contas as prendas eram bónus: qualquer prenda era melhor que nada, e ainda tínhamos direito a passeios pela cidade, com castanhas quentes, ginja, omoletes e um ou outro lanche na pastelaria Suiça, mais a família reunida e normalmente a presença da avó lá em casa, para fazer as filhós, as fatias douradas, os sonhos, a aletria e o arroz doce e passar dias connosco que eram realmente bem aproveitados. Havia tanto para valorizar e dar graças.
Este Natal, a bem da tradição, espera-se mais uma vez a família reunida, um pouco mais alargada, um pouco mais abençoada. E espera-se o do costume: sobrinhos que farão birra desde muito cedo para antecipar a meia-noite logo depois do jantar, sem dar paz a ninguém, sem a alegria boa da expectativa e da valorização de tudo o resto que faz parte de um bom Natal. E espera-se uma imensidão de papéis rasgados e laços brilhantes a cobrir o chão bem antes da hora, pelo meio dos quais se perdem brinquedos e novidades cujo entusiasmo inebriou a sala por alguns minutos. Espero, finalmente, pela imensa tristeza e frustração que me assolam quando lembro o tempo em que contemplava, pela madrugada dentro, as prendas que o Natal me tinha trazido e fazia o balanço do ano. Na pior das hipóteses, faltava alguma coisa que queria mesmo ter mas dentro de alguns meses seria o meu aniversário. Tudo o resto eram ganhos, para valorizar, e sabia que ia acordar na manhã de Natal um pouquinho mais abonada e grata por isso.
Espero que o Natal da minha petinga seja sempre tão generoso como os Natais que sempre tive e dos quais tenho saudades.

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