terça-feira, 11 de janeiro de 2011

a semântica

Democracia é uma palavra bonita, fazendo jus à conotação que lhe está inerente. Todas as coisas boas deviam ter um nome bonito, uma designação que lhes fizesse justiça, o que nem sempre acontece e é pena. A palavra democracia é fácil, é suave, é sucinta, e a sua verbalização pode e deve ser frequente, como os champôs que defendem uma utilização diária para obtenção de melhores resultados. Quanto mais nos valermos do argumento da democracia, mais inclinados estamos para o que está certo e nunca é demais acrescentar aqui e relembrar acolá, que a nossa sociedade é democrática. O nosso regime político é democrático e o nosso país, a sociedade actual, não conhece as palavras regime autoritário, palavras feias, duras, rígidas, inflexíveis, de opressão. Somos uma democracia plena - mais uma expressão bonita.
Mas a democracia, qual manta suave e delicada, esconde na sua beleza e na plenitude da sua semântica, processos burocráticos e esquemas políticos tão feios que não se lhes adivinha fim. Como o traço formal e elegante de um fato ministerial contrasta com a farda camuflada e grosseira de um general do terceiro mundo, como as medidas políticas tão bem alinhavadas e floreadamente argumentativas de uma medida de austeridade contrasta com a palavra de ordem de um ditador, também a suavidade da palavra democracia se vê oposta ao seu obscuro significado.
A democracia, desgraçadamente, vê-se assim a perder beleza. Já não se olha para ela como antes. Já ninguém a crê como bela, como certa, como o argumento que se utiliza frequentemente com tanto crédito. Os homens que inventaram o conceito de democracia praticam-no de forma pouco lisonjeira, corrompem-na. A própria utilização da palavra vai caindo em descrédito. Começa a acreditar-se que apregoar a democracia ostensivamente já não garante resultados de qualquer espécie, tal como sempre acreditei que usar champô no cabelo com frequência diária não garante melhores resultados, apenas satisfaz o interesse económico de alguns.
Quando penso no mal que se faz debaixo da suave manta da democracia, a palavra deixa de parecer-me tão bonita, tão fácil, tão sucinta.

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