terça-feira, 31 de maio de 2011

Continente

Quando entrei reparei logo no rapaz. Talvez porque era bastante alto e fez um gesto brusco com a cabeça, soprando para trás a madeixa de cabelo ondulado que lhe cobria parte do rosto. Mas deve ter sido, sobretudo, porque passei muito perto da caixa dele para me dirigir ao interior do supermercado, que olhei sequer naquela direcção. Ainda cirandei dois minutos a ver algumas revistas mas dirigi-me logo à secção de produtos de higiene e cosmética. Só queria mesmo comprar tinta para o meu cabelo, que agora tem dois tons de castanho, o que me deixa mais incomodada que os cabelos brancos.
Fui para uma fila, distraidamente, a olhar para o escaparate de pastilhas e pilhas duracell e a pensar que tinha de ir comprar ben-u-ron. Distraidamente, para a fila do rapaz. Estavam três pessoas à frente, com poucas coisas na mão e ele atira-me um meio-sorriso e um olhar rápido de alto a baixo, assim, com aquele tipo de indiscrição intencional mas subtil. Vou avançando e aquele olhar, que já não enfrento mas sinto pousado em mim, vai continuando. Estou a pensar, muito rapidamente que aquilo deve estar a dar-lhe um gozo tremendo e que o miúdo anseia que chegue a minha vez para ganhar a legitimidade para olhar, falar e sorrir enquanto as duas embalagens de tinta e o o verde-código-verde o justificarem. Apetece-me dizer-lhe que devo ter idade para ser, vá, professora dele. E dizer-lhe que sou casada e mãe de família. E exibir-lhe os cabelos brancos da franja que me obrigam a pintar o cabelo da minha côr natural, para ver se ele se enxerga. Mas não. O miúdo é diferente. É imberbe, mas é ousado, destemido, simpático e, à sua maneira, galanteador. Se calhar topou-me mais velha à distância e provavelmente reparou nos cabelos brancos e noutros pormenores que nem eu sei que saltam à vista, mas talvez tenha sido disso que gostou.
Acredito que há miúdos-homens com uma maturidade para o amor que só uma mulher mais velha pode satisfazer. E apreciar.

Sem comentários: