segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

mini-mercado

A miúda da caixa, que deve rondar os vinte e poucos - sou má a avaliar idades - tem um ar de humildade entranhada. Sabem qual é? Não digo por mal, mas nota-se, salta à vista. Tem modos rudes e uma apresentação descuidada. Os cabelos são compridos e grossos, como se lavados com sabão azul e branco uma vez por semana - e isto já é a minha imaginação a ditar. A pele é clara, manchada de pequenas rosáceas - daquelas que fazem os homens parecer parolos mas que a ela apenas desnudam a má circulação que o ar frio agrava. Tem mãos grosseiras, de dedos inchados e unhas irremediavelmente estragadas. É rapariga de trabalho. Não é de estudos, nem de leituras. Não distingue estilos literários, nem escritores. Talvez já tenha lido um livro do Paulo Coelho que, por falta de alternativa, é o seu preferido.
A senhora de idade observa, com ar antipático, os produtos que vão desfilando com um bip, pela leitura óptica. Não mexe uma palha. A miúda da caixa vai arrumando nos sacos as mercearias e os detergentes, com ar contrariado. Aparece, de um corredor, o marido da senhora com um frasco de canela em pau, que a mulher observa com azedume: 'Isso é muito caro!' e pergunta à menina da caixa quanto custa. O velho fica em suspenso, a aguardar pela aprovação dos paus de canela. A miúda, diz em tom de impaciência: 'Sessenta e sete cêntimos'. 'Até nem é assim tão caro, afinal...', resigna-se a senhora, enquanto a jovem regista e enfia o frasco no fundo de um saco, sem esperar aprovação. O marido segue satisfeito para o carrinho e a miúda despacha o troco para se ver livre da mulher, que fica mais algum tempo a olhar para o comprido talão da registadora, à procura de um descuido. Finalmente, diz-me boa tarde. 'Estava a ver que queria que também lhe levasse as compras a casa', diz para mim em desabafo, enquanto me aceita o cartão. 'Quando as pessoas estão atrapalhadas até dá vontade de ajudar mas quando ficam de braços cruzados apetece-me deixar-lhes tudo espalhado'. Rio-me. Não há mais ninguém na fila. Diz-me boa tarde e segue aliviada para perto da colega que aprovisiona as prateleiras. Ali não se usam lenços azuis com saias vermelhas, nem se olha para as unhas de gel nos periodos mortos. Repõe-se o estabelecimento, faz-se a caixa e até se amanha peixe. Até à noitinha.

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