sábado, 12 de março de 2011

o meu balanço do evento à rasca

Tive oportunidade de assistir pela televisão a uma considerável parte da manifestação de hoje e fiquei mais convencida do que já estava da boçal ingenuidade deste movimento - não obstante as boas intenções que lhe estão na origem. Ouvi ali uma jovem, revoltada por perder a bolsa de estudo, facto que a obrigou a pedir um empréstimo para poder terminar os estudos - porque, efectivamente, trabalhar umas horas num call-center ou em tantos outros sítios para os quais existem ofertas de emprego constantes e são perfeitamente conciliáveis com a faculdade, a não ser claro que se desconte o tempo passado no bairro alto, no clube ferroviário ou no BBC, não é uma alternativa - confirmando a minha teoria de que os bancos e diversas outras instituições continuam a oferecer créditos indiscriminadamente, e que as pessoas, claro, continuam a ver nessa a opção mais vantajosa a curto ou médio prazo, ao invés de sujeitar-se a trabalhar (salvo seja!) numa área desprestigiante ou que não corresponde à sua formação académica. Outros - muitos deles jovens - quando abordados pelos jornalistas, respondiam, com risinhos de embaraço, que até nem estão em situação precária, apenas estão ali por solidariedade com o tio, a prima ou o namorado - se entendessem realmente a noção de precariedade em que está este país, compreendiam que todos nós estamos nessa situação, actuais empregados ou desempregados, actuais reformados com pensões de miséria ou futuros idosos sem garantia de que haja alguma sequer. Ou os pais, sexagenários, coitados, ali presentes para rogar pelos filhos que, com trinta e muitos ainda não saíram de casa, desempregados. Curiosamente, a única pessoa abordada pela jornalista da sic no Rossio, que estava sentada na praça mas respondeu não estar a participar e nem sequer concordar com a manifestação, foi delicadamente desprezada pela profissional, que ainda rematou a entrevista apelidando a senhora de menos jovem e pessimista.
E assim se conclui que, no meu caso, não estar a trabalhar na minha área talvez tenha alguma razão de ser, já que o que aprendi em quatro anos de licenciatura acerca de ética e validade noticiosa, não se aplica de todo na comunicação social. Sujeito-me portanto a trabalhar em algo que não aprecio, mas ajuda a sustentar a minha família, já que não posso contar com o governo, que aparentemente me considera demasiado afortunada para atribuir sequer um abono à minha filha. O mesmo governo que há não muito tempo era aplaudido pelas intenções de atribuir uma esmola por bebé nascido.
Já alguém me disse que esta manifestação talvez fosse até uma manobra governamental para as pessoas jubilarem com o seu fabuloso poder de intervenção e distrair as atenções do que é realmente importante. Cheira-me que é possível, depois de saber que ontem se anunciaram novas medidas de contenção e austeridade. Mas isso não importa porque há quem hoje durma melhor por sentir que, de alguma forma, fez algo que irá contar para o que quer que seja.

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